Descentralizar os Vistos Gold para o interior

Depois de um trimestre da entrada em vigor da alteração à Lei da Autorização de Residência por Investimento, vulgo “Golden Visa”, que acaba com a elegibilidade do investimento em imobiliário residencial no Litoral, pode-se dizer que ainda seja cedo para fazer uma real avaliação do seu impacto. No entanto, quem, como eu, que trabalha diretamente no apoio a pessoas e empresas estrangeiras que vêm viver ou Investir em Portugal, pode e deve olhar para os dados que temos, nomeadamente sobre o efeito desta alteração legislativa no investimento no interior do país.

Afinal, um dos efeitos pretendidos passa por “desviar” o investimento, sobretudo o investimento em imobiliário, dos grandes centros para o interior do país. Olhando para os números publicados pelo SEF sobre os “Golden Visas”, concedidos no primeiro trimestre do ano e que podem ainda dizer respeito a investimentos feitos em 2021, ou seja, antes das restrições ao investimento residencial no litoral, podemos verificar já uma tendência de redução do investimento imobiliário e um aumento significativo da aposta em fundos de investimento. Em termos globais, verifica-se um decréscimo do capital que está a entrar em Portugal, com uma média de cerca 40 milhões de euros por mês em 2022, um valor inferior dos cerca de 60 milhões mensais, em 2021.

O investimento em imobiliário foi desviado para o imobiliário comercial (que continua a poder ser feito em Lisboa, Porto ou Algarve) e alguns players que tinham intenção de investir acabaram por abandonar os seus planos. Para já, existe muito pouco ou nenhum investimento realizado no interior do País.

Na realidade, estas não são assim tão más notícias. Passo a explicar, a redução do capital estrangeiro captado via “Golden Visa” é negativa, mas também nos encontramos num contexto de muita incerteza. Por outro lado, o aumento da procura de fundos de investimento é um sinal muito positivo. Quanto à ausência de investimento no interior, nomeadamente no setor do investimento imobiliário, não é nenhuma surpresa. Já escrevi anteriormente sobre este tema:

Os investidores que procuram o “Golden Visa” vêm em busca essencialmente de uma coisa: Segurança. O “Golden Visa” é uma forma de pequenos investidores garantirem acesso a um espaço que dá garantias de segurança e de, em primeiro lugar, proteger as suas poupanças. Deste modo, estamos a falar de investidores com baixa aversão ao risco e que por isso até estão dispostos a ter baixos retornos. Ora, as localizações “prime” dão essas garantias e por isso é preferível fazer um investimento em imobiliário turistico em Lisboa ou no Algarve do que comprar um imóvel residencial no interior do país.

E mais, estes investidores, na sua grande maioria, não vêm viver para estas casas, optando por colocá-las no mercado de arrendamento. E a quem é que vão arrendar? O interior precisa primeiro de pessoas e negócios para se poder desenvolver. E, no mundo de hoje, onde a digitalização e o trabalho remoto se afirmam em definitivo o foco deve ser em atrair primeiro o Capital Humano.

Esta é uma grande oportunidade para as regiões e comunidades que se encontram mais longe dos grandes centros. Portugal está a tornar-se cada vez mais atrativo para empresas estrangeiras que optam por colocar os seus “hubs” mais inovadores, para além do aumento do interesse de relocalização dos “Nómadas Digitais”, que têm a possibilidade de poder trabalhar a partir de qualquer lugar. Bem, de qualquer lugar não, de qualquer lugar que ofereça uma melhor qualidade de vida e banda larga.

Portugal é conhecido pelo seu Clima e Qualidade de Vida, mas o nosso país não pode ser apenas o litoral. Mesmo que as empresas, por razões operacionais, pretendam estar perto dos grandes centros, os seus trabalhadores não têm que o fazer necessariamente. E se esses trabalhadores forem para o interior, vão dinamizar toda uma economia local e até poder proporcionar que pequenos negócios ou startups tenham condições para se desenvolver. No século XXI, é crítico ter acesso ao talento qualificado e as regiões que tenham a capacidade de atrair um maior capital humano, têm tudo para prosperar.

No entanto, para que as regiões do Interior consigam atrair esse Capital Humano, há muito trabalho a fazer Não é suficiente contar com o património natural e a hospitalidade das pessoas. É preciso ter boas escolas, um acesso facilitado a cuidados de saúde, e todo um ecossistema que junte entidades privadas e públicas, e que possa contribuir para facilitar a captação e integração de pessoas. Criando-se esta dinâmica de atração de Capital Humano, não serão necessárias novas leis nem mais incentivos para o interior. O capital financeiro virá a seguir, e até os investidores de “Golden Visa” irão procurar casas para depois arrendarem aos novos “inquilinos” qualificados do interior.

Fonte: jn.pt

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